Eu nunca tive uma arma de brincar.
Houve muita coisa de brincar que eu nunca tive. Pedi imensos jogos de tabuleiro que não recebi, com a desculpa que os iria simplesmente arrumar num canto, porque, na verdade, ninguém estava interessado em jogar comigo; pedi carrinhos telecomandados, os quais ainda estou à espera de ter; desejei alguns brinquedos variados que, eventualmente, percebi que, caso os pedisse, receberia em troca um singelo e redondo não, os quais passei a desejar em silêncio.
As armas nunca me atraíram muito, expecto talvez as espadas. Mas tal como os carrinhos telecomandados, isso eram brinquedos de rapaz, e não tinha jeito nenhum uma menina brincar com coisas dessas. Se tinha bonecas, que brincasse com elas. Confesso que essa segregação sempre me foi difícil de entender. A infância é a idade da imaginação, de inventar aventuras, que experimentar todas as possibilidades, ainda que com objectos de plástico. Talvez se um rapaz brincar com uma boneca ou um ferro de engomar, perceba desde cedo que o cuidar das crianças e fazer tarefas domésticas não é um ataque à sua futura masculinidade ou o diminua como pessoa, e que, um dia mais tarde, serão actividades que farão parte de uma rotina doméstica saudável, em que todos dividem as tarefas da casa. Talvez se uma menina brincar com ferramentas e espadas, perceba que, quando crescer, poderá ser o que quiser, que não há profissões para homens e outras para mulheres, que pode ser tão forte quanto o desejar, e que se vestir umas calças e um camisolão de capucho, não será menos mulher do que aquelas que usam vestido e sapatinhos de verniz.
Agora tenho uma pistola de brincar. Comprei-a como acessório de um futuro cosplay que estou "a montar" (não sei se o levarei à Comic Con, mas já estou a preparar o fato de qualquer maneira. E não, infelizmente, não é o de Leia). Curiosamente, segurar uma arma não é bem aquilo que eu pensava ser, mesmo que seja de plástico. Talvez a ideia das armas de brincar seja mesmo experimentar todas as possibilidades: aquelas que escolhemos seguir, e aquelas que escolhemos não seguir. Ainda assim, a descoberta de, aos 25 anos, poder fazer mira e tentar acertar com as setas com ventosas no vidro ou na testa do Moço, é uma sensação completamente nova. E ter que fugir das emboscadas também. E fazem um bom pandan com as minhas orelhas de gatos, que comprei ontem (não são para nenhum cosplay, mas sempre quis ter umas =P ).